Para entender o contexto em que Galileu vivia, e em que medida sua
descoberta aboliu um modelo de mundo que persistia à séculos, foi preciso
pesquisar a passagem histórica da Idade Média para a Idade Moderna.
Humanistas, foram a vanguarda da grande
transformação cultural chamada Renascimento. Quando nos referimos ao
Renascimento temos em mente, de maneira geral, o período que vai de meados do
século XIV até o final do século XVI. Ou seja, é um movimento histórico
relativamente breve que marca o início da chamada Idade Moderna e é
caracterizado pelo progresso técnico e científico, por maior conhecimento da
filosofia e da literatura antigas e maior amor pela beleza.
O termo Renascimento se refere ao retorno
ideal às formas da Antiguidade Clássica enquanto verdadeira fonte da beleza e
do saber. A idéia de Renascimento pertence à própria época e seus
protagonistas. Apesar do retorno ao passado clássico, o movimento conhecido por
esse nome nada possuía de nostálgico. Era, na verdade, portador de um acentuado
sentimento de superioridade em relação aos séculos precedentes,
acompanhado de atitude de substancial otimismo diante do presente e do futuro.
A idéia vinha acompanhada de “trazer à luz”, subtrair ao esquecimento a
grandiosidade da cultura do passado, sepultada pelas “trevas” da Idade Média. A
visão da Idade Média como um abismo cultural foi instaurada pelo Renascimento.
As pesquisas do último século desmistificaram a idéia de “Idade das Trevas” e
se dedicaram a identificar os inúmeros vínculos entre a Idade Média e o
Renascimento. Os resultados alcançados puderam demonstrar que ao longo dos
séculos, não propriamente de trevas, a tradição clássica não havia desaparecido
completamente. Em ruptura com a tradição medieval, as artes visuais procuraram
reencontrar as mais harmoniosas proporções do corpo humano e redescobrir em
tais medidas humanas a alma da arquitetura antiga, capaz de dar às novas
construções o ritmo musical recomendado por Platão.
O movimento humanista foi fundado na literatura. Francesco
Petrarca (1304-74) havia sido o primeiro a contrapor as imagens de trevas e
luz, ao confrontar o presente medieval cristão com o esplendor cultural do
passado clássico. Não obstante fosse problemática a identificação do passado
pagão com as “luzes” e da era cristã com as “trevas”, a ideia, cultivada por um
grupo de literatos, vingou. Ainda na primeira metade do século XIV, Giovanni
Boccaccio (1313-75), genial discípulo de Petrarca, utilizava o esquema “luz e
trevas” de análise em louvor da arte de Giotto. Para afirmar a evolução da
pintura em relação ao passado, o aspecto mais evidente era observar a
excelência com que esta se tornara capaz de imitar a natureza; no caso, a
natureza humana. O elogio de Boccaccio ao naturalismo de Giotto, além de
sobrepor a luz do presente às trevas do passado medieval, revelava uma
sensibilidade diferente em relação às imagens pictóricas e sua representação do
mundo visível. As palavras do poeta e precursor do Humanismo
indicavam a existência de um público interessado em formas mais complexas de
apreciação das artes a que o novo tipo de artista era chamado a satisfazer.
A imitação é um conceito crucial para todo o Renascimento, o ponto
de interseção por onde passam os diferentes elementos do projeto Renascimento.
O conceito portanto comporta uma vasta gama de significados, que absolutamente
não excluem a ideia de originalidade. Para a cultura do Humanismo, a imitação
era fundamento de um sistema moral e estético que tinha como referência os
valores da Antiguidade, suas virtudes públicas e suas grandes realizações. Em
oposição à imobilidade hierática das figuras da arte bizantina, os humanistas
estavam interessados na representação dos “afetos” – como eram designadas as
atitudes e expressões. Esse novo naturalismo era a essência da inovação
Renascentista e construía o principal desafio para a nova arte. A doutrina
estética do Renascimento se referia, por um lado, à imitação da natureza , à
imitação do real; por outro à imitação do modelo, imitação da Antiguidade
Clássica. Imitar não significava copiar, mas assimilar princípios; indicava
limites e oportunidades para a invenção. As obras produzidas não deviam ser
iguais, mas parecer com os modelos tal como o filho dos pais, segundo exemplo
da época.
Na primeira metade do Quatrocentos, o conceito de imitação
correspondia à reprodução o mais possível perfeita da realidade e estava ligado
a uma prática pictórica determinada a recriar a perfeita ilusão do visível. As
figuras de Masaccio na capela Brancacci, em Florença (1424-1425) são exemplos
da nova orientação. A anatomia e a perspectiva linear eram consideradas
diciplinas essenciais: à primeira era destinada à construção dos corpos
conforme a natureza; a segunda à construção do espaço. As regras da perspectiva
renascentista – inventadas em 1415 por Brunelleshi, possibilitam a criação do
espaço tridimensional sobre a superfície plana, resultando em uma imagem muito
semelhante à percepção que o olho humano possui da realidade espacial e dos
objetos nela colocados.
Depois dos primeiros tempos mais pragmáticos, dedicados às novidades da prática pictórica capaz de desenvolver a ilusão do real, a avaliação totalmente externa da beleza logo dará lugar a justificativas filosóficas. Aristóteles é considerado principal fonte para a interpretação da imitação como mímeses da natureza. Na Poética, a arte é espelho da natureza concebida como comportamento humano. O tratado De pictura (1433), de Alberti, texto fundamental para todas as formulações sobre arte dali em diante, já contemplava a idéia de eleição ao lado da de imitação, isto é, do livre-arbítrio do pintor, que, posto diante da natureza, podia não apenas retratá-la, mas eleger seus aspectos mais belos. A busca dessa "natureza ideal" era identificada pelos humanistas na frase de Aristóteles sobre a imitação: imitar a natureza não como era, mas como deveria ser.
O início do Renascimento havia sido marcado por certa dissolução das divisões rígidas da vida intelectual, fazendo com que a arte e a ciência compartilhassem um mesmo terreno. A geometria e a matemática estavam impregnadas por idéias filosóficas. A mateática possuia lugar de preeminência enquanto ciência singular, capaz de conduzir ao conhecimento abstrato das relações e das medidas, fazendo com que estas assumissem significados além do nível racional. Por meio da matemática, o espaço arquitetônico, por exemplo, prestava-se a analogias universais astrológicas e teológicas a que estavam sujeitos formas e números. Tais analogias punham em comunicação o macrocosmo e o microcosmo. O antigo simbolismo dos números e a harmonia numérica das esferas celestes remetiam aos preceitos pitagóricos retomados por Plotino e os neoplatônicos da Antiguidade. Tais ideias sobre o misticismo dos números - que nunca desapareceram totalmente - são redescobertas e desenvolvidas pelos filósofos do Renascimento com grande influência sobre as artes.
O processo de promoção social das artes se desenvolve em sintonia com a celebrada centralidade que a ideia de individuo teve para o Renascimento. O novo protagonismo adquirido pelo artista acompanha um processo de secularização da cultura no qual as realizações e os feitos terrenos dos homens passavam a ser altamente considerados e louvados. No decorrer do Quatrocentos, surgem diversos livros no gênero "homens ilustres" como o de Vilani, sobre os notáveis de Florença. O elogio do indivíduo e o culto da fama se estendem da literatura para a escultura, a pintura e a arquitetura.
(Fragmentos do texto “o projeto do renascimento” de Elisa Byington)
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