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quarta-feira, 25 de junho de 2014

shhhhh!!!

Planeta terra chamando. Grita o despertador, o sino da igreja, três tons acima o metrô, desafinado e monopolizante o ônibus velho, alguns elevadores, todas as maquinas de lavar, celulares que ainda silenciados vibram estridentes durante peças de teatro e cenas fortes do cinema como se já não bastassem o ranger das pipocas. Ensurdecedor? Antes algo fosse. Qualquer coisa eu comprava, qual fosse o preço da abençoada, quase santa surdez. Se algum planeta tentasse se comunicar conosco, se é que já não tentaram, evidentemente não escutariamos o chamado. A tecnologia corre a passos largos; multiplica pães, transforma água em coca-cola, inventa até gente, mas não se dedica, minimamente, a silenciar. Silêncio é perigoso, faz pensar. Por alguma teoria da conspiração o barulho e os guarda-chuvas permamecem intocáveis. Planeta terra chamando! É essa a mensagem subliminar interplanetária. "Mantenha os pés no chão e nao reflita sobre isso!" grita o progresso.
" meu ouvido é pinico!" respondemos como um coro de criancinhas em uma daquelas brincadeiras infantis que envolviam batatas fritas, galinhas e pintinhos que a essa altura com certeza ja foram transformados em nugget.
Talvez por isso tenha escolhido às bibliotecas. "shhhhhh!" Essa é a regra número 1. Logo o silêncio é preenchido com letras e de repente todas as palavras são possíveis tal como tudo o que puderem formar a reboque. Os pés podem estar nas paredes, nas nuvens, no amarelo, no vácuo, menos em cima da mesa, que consiste na regra numero dois. Qualquer chamado pode ser ouvido. Diálogos com marte ou com o Olímpo são travados pelo mesmo terráqueo em questão de segundos. E o melhor: em silêncio. um mundo sem guarda-chuvas apenas por lá é possível. Acredite!

sexta-feira, 6 de junho de 2014

"Mistérios Insondáveis" de Alcione Araújo

O poder da razão nos enche de genuíno orgulho. É extraordinária a capacidade humana para compreender o mundo em que vivemos - da minúscula intimidade da matéria aos espaços infinitos do cosmo, da inteligência artificial ao uso das células-tronco. É tamanha a empolgação com a capacidade de compreender as miraculosas elaborações da razão que, às vezes, somos instilados a crer que não há limites para o conhecimento - o que, de fato, parece não existir - e nós alçamos a extremos nos quais a soberba ultrapassa a própria razão. 

Inflados pela onipotência, passamos a viver como senhores da natureza e deuses da razão. Nesses momentos, humildade deixa de ser apenas uma virtude e passa a ser uma necessidade - até para ajustar pesos e contrapesos e restaurar o equilíbrio. 

A despeito das fantásticas conquistas da ciência, a espécia humana convive com mistérios tão insondáveis quanto essenciais à vida. É quase alarmante que a vida siga seu curso sem que possamos balbuciar qualquer verdade sobre questões que nos acompanham do nascimento à morte.

O nascimento, para começar é um mistério. Nada sabemos como e quando a vida se instala. Além do absurdo acaso implícito num determinado espermatozoide, entre milhões, fecundar o ovo e resultar num ser e não noutro, inteiramente distinto - o que nos define como um acaso da natureza, ao qual se junta o aleatório da programação celular detectado pela biologia genética. Somos, enfim, um acaso do acaso. Ademais, quase todo o saber clínico sobre o nascimento apoia-se em estatísticas e estudos de caso - não no conhecimento do momento decisivo onde tudo começa. Vivemos no mistério do nosso surgimento.

Noutro extremo, a morte - sabemos o que leva ao colapso de órgãos e sistemas, mas nada sabemos sobre o que ocorre após o repouso cerebral - instala-se nos inescrutável domínio da fé. No âmbito do conhecimento, é puro mistério. Sabemos que a vida, tudo o que somos e deixamos de ser, se dá entre o nascimento e a morte, nossos limites. E nada sabemos sobre os próprios extremos determinantes da vida entre si.

Mencionei a seara inescrutável da fé - eis outro mistério. Sabemos que muitas pessoas têm fé - vários tipos, em vários revelações -, mas não sabemos dizer o que seria a fé. Santo Agostinho, que a chamava de esperança, considerava-a um privilégio - ou seja, não é para todos! E reiterava essa ideia como quase um paradoxo. Dizia o santo das Confissões que quem entendeu Deus está longe da verdade, porque Deus não é acessível pela razão. Que mistério a fé! Sem ironia, para ter fé é preciso crer, antes, na fé - que não se dispõe ao entendimento. 

Mais prosaico e rotineiro, porém não menos misterioso e intrigante, é o sonho. Desde as remotas civilizações nos primórdios da espécie que o homem quer entender os sonhos. O Talmude, o Corão e a Bíblia estão repletos de interpretações dos sonhos. No início do século XX, Freud, com A interpretação dos sonhos, lançou alicerces da teoria da subjetividade. Mas é uma interpretação entre outras. Dormimos todas as noites com o desconhecido sonho.

E o que sabemos do amor? Como surge, de que se constitui? Sabemos que são complexos impulsos subjetivos, vindos de recônditos obscuros, mas não conseguimos defini-lo. Pode-se se escolher, com critérios da razão, um marido, uma esposa, pode-se criar parcerias e conveniência e pode-se acomodar afinidades, mas não pode escolher a quem se ama. O amor brota por si e como um mistério.

Há outros, muitos outros, mistérios que nos cercam. Lembro só mais um, com o qual convivo dia e noite: a arte. Para o que é a arte, de que se constitui e a que serve, não há respostas conclusivas, todas giram em torno de conceitos - talvez pela falta de uma teoria geral da emoção, outro mistério! Por lidar com a criação, a arte propõe paradoxos, que não respondem, mas nos distraem do seu próprio mistério, como o de Jean Cocteau: "A arte é indispensável, se ao menos soubéssemos para quê."

(Crônica escrita por Alcione Araújo para o jornal Estado de Minas, retirada do livro "Cala a boca e me beija")

quinta-feira, 5 de junho de 2014

de Carol

Não é impunemente que se nasce mulher.
E mulher artista.
Fico admirada
Boquiaberta

Estarrecia
De cara
Sem entender
Aonde estaria Florbela se não escrevesse?
E Virginia?
E Clarice? Por onde esteve?
Yaioi afirma que se não fosse a sua arte ela já teria se matado ha muito tempo.
Florbela o fez, Virginia o fez.
A Clarice morrer com um câncer no ovário se fosse ficção seria uma forçação de barra.
A Louise sobreviveu.
A Louise sobreviveu.
A Louise sobreviveu.
A Marina sobreviveu.
A Marina sobreviveu.
A Marina sobreviveu.
A Marina fala que o suicídio é um crime contra a vida
o artista não deve cometer suicídio
o artista não deve cometer suicídio
o artista não deve cometer suicídio
O meu tio cometeu suicídio
O meu tio não era artista.
Ou era, não sei.
Ele tocava piano.
Não sei.
Ele tinha 19 anos
Ele poderia vir a ser um artista.
Se ele viesse a ser um artista será que ele não teria cometido suicídio?
Se ele viesse a ser um artista será que ele teria cometido suicídio?
Suicídio
Suicídio
Suicídio
É pra dentro.
É bem pra dentro.
Ferida da alma.
Profunda
O corpo não tem mais razão de estar.
Aqui.
Agora.
Mas é agora.
E depois?
No momento da queda, ou um segundo depois de tomar o remédio
Esse segundo já não é agora
É depois.
Será que nesse segundo a camisa dele não podia agarrar num galho de árvore
Ele ficar preso de cabeça pra baixo no chão
Começar a chorar e agradecer
Agradecer muito por ter ficado vivo
Naquele segundo
ele se sentir profundamente agradecido por estar vivo
e depois ter um ataque de riso
olhar pro irmão que estava olhando para ele da janela do apartamento
e pedir: por favor  me tira daqui
ME TIRA DAQUI!
O irmão sem saber como agir, chorando, pega uma escada gigantesca e tira o irmão dele de lá.
Eles se abraçam
E a vida continua vida.
Sem o suicídio carimbar essa família.
O suicídio carimba.
Flor bela de alma da conceição espanca
De alma.
Alma.
Aonde a alma dói.
Ai!
Ai!
é um lugar...
Infinito (para dentro)
Uma tortura
E como ser depois de vir do coração?
De tirar de dentro do peito a lúcida verdade
O sentimento.
No seu ponto de partida
O homem só tem instintos
Mais avançado e corrompido
Só tem sensações
Mais instruído e purificado
Tem sentimentos
O sentimento então é uma evolução da sensação.
Quirom é um planeta?
A sentimentação
O ser neutro virou um ser sentimentado
Enfim…
Quirom é um satellite
Assim como a Lilith
É mutável
Quirom mostra a ferida da alma.
Filho de cronos com uma ninfa
Era metade homem metade cavalo
Tinha o poder de curar as pessoas
Mas tinha uma grande ferida na alma
ter sido abandonado por sua mãe por ela ter vergonha de sua condição.
Um dia sem querer, leva uma flechada na pata traseira
E fica para sempre a mostra uma ferida com um cheiro terrível
Justamente no lugar em que ele mais ressentia
Sua parte cavalo.
Eu não sei onde está o meu quirom
Preciso saber
Urgente
Mas a Lilith o astrólogo me disse
A progesterona
Uma progesterona que estava concorrendo comigo- ele disse
Agiu como um louco- ele disse- andou para um lado e olhou para outro.
Ai! Ai!
Ferida na alma!
Quiron!
Quando tem Lilith é para se ficar atento
Progesterona pede atenção.
A Progesterona que é produzida no ovário.
Ferida na alma.
Quantas feridas na alma vai se acumulando no caminho
Desse grande movimento
dentro desse planeta
que órbita
nessa galaxia.
Galaxia
Via Láctea
Outras vias
Muitas outras vias…
Ser supremamente pessoal para ser coletivo.
Ser supremamente pessoal para ser coletivo
Ser supremamente pessoal para ser coletivo.
Não é impunemente que se nasce mulher.
E mulher artista.
O artista é um traumatófilo
Elementar lhe dar com a falta
Elemento se dá com falta.
Nós existimos principalmente pela nossa ausência
Isso é da Louise
Bourgeois.
O trauma
Experiência psicológica muito agressiva
Os soldados quando voltavam da primeira Guerra
Não conseguiam…
Não conseguiam…
E como ser depois de vir do coração?
O pó, o nada…
Não conseguiam falar o que viveram
Falar
Acessar
A ferida da alma
Eu não lembro
Como foi quando meu pai saiu de casa
Elementar lhe dar com a falta
Ser supremamente pessoal para ser coletivo
Ser supremamente pessoal para ser coletivo
Não é essa a magia da grande arte?
Os artistas devem procurar a inspiração no seu âmago
Quanto mais se aprofundarem em seu âmago, mais universais serão
O artista é um universo
O artista é um universo
O artista é um universo
O artista deve ser ouvido 
E libertado
sempre
Isso é da Nirley
Será que ele queria voar?
Não é isso que todos queremos afinal?
Sair voando pela janela
Sair voando
Como ícaro
Que não se conteve em ter asas
Quis voar alto
Bem alto
Perto do sol
E o sol derreteu suas asas
E ele caiu
Morreu
Porque ícaro, querido ícaro
o homem não pode voar
Ele não se conforma
Com essa tristíssima contingência
Eu o entendo.
Voar alto
Bem alto
Sair da terra voando
E olhar todo o universo
No silêncio que deve ser lá em cima
E depois voar mais alto e ver a nossa galáxia
Bem pequenininha brilhando perto das outras
Que também o são.
E voltar
Depois de ser do coração.
E como voltar a ser depois de vir do coração?
Medo de morrer
Ela me respondeu
Quando eu disse que tinha medo na hora dormir.
Medo de morrer
Mas se a alma é separada do corpo
Morrer desse corpo
Pra perambular com alma pelo espaço pode ser bom.
Eu não quero morrer
Eu quero ficar viva
Mas e o desejo incontrolável de voar?