.

.

sexta-feira, 30 de maio de 2014

Tão obvio quanto a Terra girar em torno do Sol, ou tão ridículo quanto uma torre de tartarugas

Um famoso cientista - alguns dizem que foi Bertrand Russell - , fazendo uma conferência sobre astronomia, descreveu como a Terra gira em torno do Sol, por sua vez, gira em torno do centro de uma vasta coleção de estrelas chamada galáxia. No final da conferência, uma senhora baixinha e idosa levantou-se ao fundo da sala e falou:
- O que o senhor acaba de nos dizer é tolice. O mundo, na verdade, é um objeto achatado, apoiado nas costas de uma tartaruga gigante.
O cientista sorriu com superioridade antes de replicar:
- E sobre o que se apoia a tartaruga?
- Você é muito esperto rapaz, muito esperto - disse a velhinha - mas existem tartarugas marinhas por toda extensão embaixo dela.
Muitas pessoas podem julgar esta imagem de nosso universo como uma torre infinita de tartarugas absolutamente ridículas, mas por que pensar que sabemos mais? O que sabemos sobre o universo e como sabemos? De onde surge e para onde ele vai? Existe um começo do universo e, se existe, o que aconteceria antes dele? Qual é a natureza do tempo? Recentes avanços da física, possíveis em parte pela fantástica tecnologia moderna, apontam caminhos para algumas dessas velhas questões. Algum dia, talvez, essas respostas possam ser tão obvias para nós quanto o fato de a Terra girar em torno do Sol; ou, tão ridículas quanto a imagem da torre de tartarugas. 

(Retirado do livro "Uma Breve História do Tempo, do Bing Bang aos Buracos Negros" de Stephen W. Hawking)

quinta-feira, 29 de maio de 2014

Via Láctea

Vivemos numa galáxia que tem aproximadamente 100 mil anos-luz de diâmetro e rotação lenta: as estrelas em seus braços espirais giram em torno de seu centro, uma vez a cada muitas centenas de milhões de anos. Nosso sol é apenas uma estrela comum, de porte médio e amarela, perto do limite mais interno de um dos braços espirais. Percorremos certamente um longo caminho desde Aristóteles e Ptolomeu, quando se pensava que a Terra era o centro do universo.


Albert Einstein (1879-1955)

A ligação de Einstein com a política da bomba nuclear é bastante conhecida: ele assinou a famosa carta ao presidente Franklin Roosevelt persuadindo os Estados Unidos a assumir com seriedade a ideia, e se engajou, no pós-guerra, em esforços para a prevenção da guerra nuclear. Mas estas não eram apenas as ações isoladas de um cisentista mergulhado no universo da política. A vida de Einstein foi de fato, para usar suas próprias palavras, "dividida entre ações políticas e as equações".

Os primórdios das atividades políticas de Einstein acontecera durante a Primeira Guerra Mundial, quando ele era professor em Berlim. Angustiado pelo que percebia como desperdício de vidas humanas, envolveu-se em demonstrações antibélicas.

Sua defesa da desobediência civil e o estímulo púbico para que as pessoas recusassem o recrutamento pouco fez para que ele se tornasse benquisto entre seus pares. Depois, em seguida à guerra, ele dirigiu seus esforços para a reconciliação e o desenvolvimento das relações internacionais. Isto também não o tornou popular e em breve suas atividades políticas dificultavam suas viagens aos Estado Unidos, mesmo para fazer conferências.

A segunda grande causa de Einstein era o sionismo. Embora de descendência judaica, ele rejeitava o conceito bíblico de Deus. Entretanto, uma consciência crescente do anti-semitismo, tanto antes como durante a Primeira Guerra Mundial, levou-o gradualmente a se identificar com a comunidade judaica e, mais tarde, a se tornar defensor sincero do sionismo. Mais uma vez, a falta de popularidade não o impediu de dizer o que pensava. Suas teorias começaram a ser atacadas; uma organização anti-Einstein chegou a ser fundada. Um homem foi condenado por incitar outros a assassinarem Einstein (e pagou a ninharia de 6 dólares). Mas o cientista não se abalava: quando um livro intitulado Cem autores contra Einstein foi publicado, ele revidou: "Se estivéssemos errados, um autor apenas seria o suficiente.".

Em 1933, Hitler subiu ao poder. Einstein estava na América e declarou que não voltaria à Alemanha. Então, quando a polícia nazista invadiu sua casa e confiscou sua conta bancária, um jornal de Berlim publicou escandalosamente a seguinte manchete: "Boas notícias de Einstein: ele não vai voltar." Face à ameaça nazista, Einstein renunciou ao pacifismo e temendo que eventualmente os cientistas alemães viessem a construir a bomba nuclear, propôs que os Estado Unidos desenvolvessem a sua. Mas mesmo antes que a primeira bomba atômica fosse detonada, ele advertia publicamente sobre os perigos da guerra nuclear e propunha o controle internacional do armamento nuclear.

Durante toda sua vida, os esforços de Einstein em favor da paz provavelmente atingiram um mínimo esperado e certamente garantíram-lhe poucos amigos. Seu apoio verbal à causa sionista, entretanto, foi devidamente reconhecido em 1952, quando lhe foi oferecida a presidência de Israel. Ele recusou, alegando ser muito ingênuo politicamente. Mas talvez seu verdadeiro motivo fosse outro, citando-o mais uma vez: "As equações são mais importantes para mim porque a política é feita para o presente, ao passo que uma equação é algo para toda a eternidade."

(Retirado do livro "Uma Breve História do Tempo, do Bing Bang aos Buracos Negros" de Stephen W. Hawking)


Albert Einstein



História da Astronomia 1

(Síntese feita a partir dos livros "Uma Breve História do Tempo, do Bing Bang aos Buracos Negros", "O Universo numa Casca de Noz" de Stephen W. Hawking, "Astronomia" de Jan Ridpath e “Poeira das Estrelas” de Marcelo Gleiser)

A astronomia é chamada a mais antiga das ciências. Desde a aurora da civilização o homem luta para entender os complexos movimentos dos corpos celestes, e incontáveis monumentos e artifícios refletem essa fascinação.
A gruta de Lascaux, na região dos Pirineus, França, guarda em suas paredes desenhos feitos há 17 mil anos, de animais que, segundo interpretações recentes, representam as constelações visíveis no céu naquele momento. A gruta só é iluminada num único dia do ano, o solstício de inverno, e foi descoberta por acaso em setembro de 1940, por quatro adolescentes que exploravam a região.
Stonehenge, sítio arqueológico localizado em Amesbury, interior da Inglaterra, é um dos primeiros instrumentos astronômicos que se tem notícia, servindo para marcar o movimento do Sol ao longo do ano. Os celtas que viviam na região há cerca de 3.500 anos, construíram o monumento usando pedras de até 40 toneladas cada uma, trazidas de uma pedreira situada a 30 quilômetros de distância. Como conseguiram até hoje não se sabe exatamente.
Os egípcios adoravam o Sol como a um deus. As pirâmides do Egito, erguidas por volta de 2.500 a.C, corporificam alinhamentos astronomicamente significativos baseados no conhecimento do céu (como é o caso de Quéops alinhada com a estrela polar).

TRADIÇÃO BABILÔNIA:
O verdadeiro berço da astronomia foi o Oriente Médio. Várias civilizações antigas estudaram o céu e seus ciclos, mas os babilônios alcançaram sofisticação (ajudados pelos sumérios que os precederam na Mesopostâmia).  Duas pequenas tábuas de argila cozida produzidas por volta de 1.500 a.C pelos habitantes do Iraque atual resumem informações sobre os movimentos das estrelas e dos planetas. A tábua de Amizaduga detalha o movimento do planeta Vênus durante 21 anos, prognosticando sucesso e desastre em guerras, variações climáticas, períodos de fome assim como nascimento de reis, príncipes e nações. A lista de estrelas e constelações que conheciam atesta uma antiga tradição de observação celeste. Algumas constelações como Leão e Escorpião chegaram até nós quase inalteradas. Os babilônios deram outra grande contribuição à astronomia: mediram a duração do ano em 360 dias, dividiram o círculo do céu em 360 graus, subdividiram cada grau em 60 partes e introduziram o dia de 24 horas, cada hora dividida em 60 partes.

Para os babilônios os céus eram divinos. Conhecer seus movimentos significava conhecer as intenções dos deuses. Assim originou-se a astrologia babilônica, que tentava relacionar o movimento e as posições dos objetos celestes com premonições e agouros.

(Na metade do século 19 foi descoberta no palácio de Ninawa, no Iraque, uma pequena tábua de pedra cuneiforme, que após uma análise mais detalhada na época foi concluído que tratava-se de um planisfério, ou seja, um objeto com anotações feitas a milhares de anos por um astrônomo sobre o posicionamento de alguns corpos celestes.)

A VISÃO GREGA:
O conhecimento da astronomia babilônia chegou à Grécia cerca de 600 a.C. Os babilônios interessavam-se sobretudo por adivinhar augúrios celestes - o que chamaríamos de astrologia -, mas o gregos procuravam compreender os princípios físicos segundo os quais o universo funcionava, começando a separar a ciência da superstição. Influenciados pelo conhecimento matemático e astronômico dos babilônios e dos egípcios, os gregos começaram a refletir sobre a natureza, a origem do mundo e os fenômenos naturais usando a razão, e não a religião, como ferramenta de descoberta. Nasceu assim a filosofia natural, o método que utiliza argumentos racionais para descrever fenômenos da natureza.
Tudo indica que o primeiro filósofo foi Tales, que viveu por volta de 600 a.C, na cidade de Mileto, hoje parte da costa oeste da Turquia. Figura lendária, pouco sabemos dele. Infelizmente, como ocorreu com a maioria dos chamados filósofos pré-socráticos, nada restou dos seus escritos. Tales teria previsto um eclipse solar que interrompeu uma guerra: verdade ou não, a história mostra que ele tinha fama de conhecer bem astronomia. A importância filosófica de Tales é atribuída ao fato de ter sido ele o primeiro a se questionar sobre a natureza material das coisas. Mais precisamente, foi o primeiro a perguntar do que tudo é feito, qual a composição da matéria. Essa é uma pergunta essencialmente científica, já que procura encontrar uma explicação material para o mundo.
Por volta de 570 a.C nasceu outro grande pioneiro da filosofia, Pitágoras. Para Pitágoras a matemática representava a linguagem da natureza, a ponte entre a razão humana e os segredos do mundo natural. A função do filósofo era estudar as relações entre os números e as formas, desvendando a estrutura racional do cosmo.
Demócrito (400 a.C) juntamente com Leucipo, é considerado o criador da doutrina atomista. Segundo os atomistas, tudo no cosmo é feito de pequenas partículas indivisíveis chamadas átomos – o que não pode ser cortado. Esses átomos, infinitos em número, podiam combinar-se para dar origem às várias formas e aos vários fenômenos que observamos no mundo natural. Mesmo que os átomos da ciência moderna sejam bem diferentes daqueles dos atomistas (podem ser divididos e não são infinitos em número), a idéia de que a matéria é composta de pequenos tijolos fundamentais permanece viva até hoje.
Sócrates, por sua vez, rebelou-se contra o pensamento materialista de alguns de seus antecessores, preocupando-se mais com questões morais e legais, a filosofia dos homens e sua organização social. Porém um de seus discípulos, Platão, voltou a refletir sobre questões metafísicas, incluindo a natureza da realidade. Segundo ele, a realidade podia ser dividida em duas partes: a das idéias, a realidade mental e a dos sentidos, a realidade sensorial. Platão era um grande admirador da razão humana e da nossa capacidade de descrever a realidade em termos matemáticos. Acreditava que o cosmo era produto de uma divindade inteligente que chamou de Demiurgo, um profundo conhecedor da geometria. Já a realidade sensorial era suspeita, traiçoeira. Platão postulou que o cosmo, sendo produto de uma mente superior, devia refletir em sua estrutura as proporções ideais da geometria. Portanto, como já haviam postulado os pitagóricos, a Terra, a Lua, e Sol eram esféricos, dado que a esfera é a forma mais perfeita. Pela mesma razão, as órbitas celestes só podiam ser circulares.
 Eudóxio, um astrônomo grego do século IV a.C, desenvolveu um sistema de 27 esferas cristalinas, aninhadas umas dentro das outras girando em torno de diferentes eixos e velocidades, que deslocavam os corpos celestes ao redor de uma Terra esférica.
As idéias de Platão sobre a forma dos astros e suas órbitas foram herdadas por seu discípulo Aristóteles. Aristóteles acreditava que a Terra era estática e que o Sol, a Lua, os planetas e as estrelas giravam em órbitas circulares à sua volta. Acreditava nisso por razões místicas que a Terra fosse o centro do universo e a órbita circulara mais perfeita. Como a maioria dos filósofos gregos, Aristóteles não concordava com a idéia de criação porque ela contém muitos indícios da intervenção divina. Acreditava que o mundo e a raça humana sempre tenham existido. Afirmava que os dilúvios periódicos, e outros desastres devolviam os humanos aos princípios da civilização. Em seu livro "Sobre o Firmamento" (340 a.C) evidenciou três bons argumentos para sustentar a crença de que a Terra era uma esfera e não um corpo achatado:
- Os eclipses da lua (Causados pelo posicionamento da Terra ao se colocar entre o Sol e a Lua) - A sombra projetada na Lua era sempre redonda. Se a Terra fosse um disco sua sombra seria alongada e elíptica, a menos que o eclipse sempre ocorresse quando o sol estivesse diretamente sobre o centro do disco.
- A estrela polar - Os gregos sabiam por suas experiências em viagens, que a estrela polar parecia mais baixa no céu quando vista do sul do que se observada de regiões mais ao norte. Uma vez que a estrela fica sobre o pólo norte, um observador que aí se encontre, perceberá a estrela sobre si, mas alguém no equador a observa exatamente na linha do equador. Da diferença na posição aparente da estrela polar no Egito e na Grecia, Aristóteles fez uma estimativa que a distancia em volta da Terra era de 400mil estádias (Não se conhece a medida exata de uma estádia, mas deve ser próxima de 180m, o que tornaria a estimativa duas vezes maior que a atual aceita).
- As velas dos navios - Observou que primeiro as velas de um navio aparece no horizonte e só depois o casco.
Hiparco compilou o primeiro catálogo preciso das estrelas visíveis a olho nu, no século II a.C. Além de medir suas posições ele classificou a estrelas em seis categorias de brilho, criando a escala de magnitude usada hoje.
No século II d.C, Ptolomeu sintetizou o conhecimento astronômico grego na obra Almagesto (que significa: o maior), contendo uma versão atualizada do catálogo de estrelas de Hiparco usado até hoje, e formulou um modelo cosmológico completo adotado pela religião e pela filosofia que dominou durante toda a Idade Média. A Terra ficaria no centro, circundada por oito esferas: a Lua, o Sol, as estrelas, Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter e Saturno. A esfera mais afastada seria das estrelas, que manteriam sempre a mesma posição relativa entre si, girando juntas através do céu. O que havia além da última esfera jamais ficou esclarecido.

O modelo de Ptolomeu estabelecia um sistema razoavelmente preciso, porém teve que pressupor que a Lua seguia uma trajetória tal que em algumas épocas a levava duas vezes mais próxima da Terra que em outras. Ptolomeu reconheceu essa falha. Apesar da falha o sistema foi aceito no geral, adotado pela Igreja Católica  como a imagem do universo que correspondia às escrituras, porque garantia espaço fora da esfera das estrelas, para o céu e o inferno.

(Figura: Andreas Cellarius, Harmonia Macrocosmica, Amsterdam, 1660. O modelo geocêntrico de Ptolomeu.)



















ASTRONOMIA NO EXTREMO ORIENTE:
Os chineses reconheciam 283 constelações, muitas pequenas e sem brilho. Os gregos viam no céu animais e heróis mitológicos, e as constelações chinesas representavam cenas da corte e da vida social. Os astrônomos do Extremo Oriente valorizavam fenômenos inesperados chamados "estrelas visitantes", que hoje conhecemos como cometas, novas e supernovas. Entre os eventos descritos estava a explosão de uma supernova que deu origem à nebulosa de Caranguejo em 1054 d.C.

CONSTELAÇÕES ÁRABES:
Com o declínio da civilização greco-romana, e a ascensão da Igreja Católica a partir do século III, o foco intelectual havia mudado. Santo Agostinho, o grande teólogo cristão que viveu por volta de 400 d.C, proclamou profano qualquer interesse nos afazeres da natureza “Acima da tentação carnal (...) existe também a tentação da mente (...) em busca de conhecimento e sabedoria”. A salvação eterna só seria alcançada através da completa devoção a Deus e à religião. A curiosidade sobre o mundo foi reprimida e, na Europa Medieval, praticamente esquecida. Quando os árabes invadiram a Europa, levaram com eles os textos dos grandes filósofos gregos. O centro da investigação astronômica transferiu-se para Bagdá, onde foram traduzidos para o árabe escritos de Ptolomeu, Platão, Arquimedes, Pitagorás....  Entre os séculos X e XIII os obras gregas antigas foram reintroduzidas na Europa.

Pouco antes de 1000 d.C, o astrônomo árabe Al-Sufi produziu uma versão revista do catálogo de estrelas de Ptolomeu com o desenho de todas as constelações: O livro das estrelas fixas


(O livro das estrelas fixas)

O RENASCIMENTO DA ASTRONOMIA OCIDENTAL:
            Com a expansão das cidades, o poder e a afluência da aristocracia aumentam. Pintores, escultores, músicos e astrólogos são convidados a integrar várias cortes, dividindo com seus patronos suas criações artísticas e especulações filosóficas. Os livros, antes copiados manualmente, passam a ser impressos por máquinas, o que acelera sua produção e diminui seu preço. No século XV, começam as explorações marítimas em busca de novas rotas de acesso à Ásia, o “caminho das Índias”. O mundo cresce, os europeus são expostos a “novas” (na verdade muito mais antigas) culturas, algumas julgadas primitivas, como a costa leste das Américas, e outras sofisticadas, como a China e a Índia. É também no século XV que a Igreja começa a perder sua hegemonia. Na Alemanha, Martinho Lutero (1483-1546) propõe uma fé alternativa, protestando contra a concentração de poder e a comercialização do cristianismo pregado pelo Vaticano. É nesse clima de questionamento religioso, de renascimento das artes e do espírito de exploração que cresce Nicolau Copérnico, o polonês que irá pôr o Sol no centro do cosmo.
Nicolau Copérnico (um padre e astrônomo polonês) propôs no séc.XVI um modelo mais simples em que o Sol fosse o centro estático, em torno do qual a Terra e outros planetas se deslocavam em órbitas circulares. Copérnico reviveu a teoria heliocêntrica proposta pelo filósofo grego Aristarco de Samos (310-230 a. C.). Lutero zombou das idéias de Copérnico, afirmando que um certo astrônomo queria virar a astronomia do avesso, fazendo a Terra girar em torno do Sol como se fosse um carrossel. Copérnico divulgou anonimamente por medo de ser considerado herege. Copérnico também temia a critica de outros astrônomos, embora seu livro Sobre as revoluções das esferas celestes (venderam-se tão poucos exemplares que a obra foi apelidada de "o livro que ninguém leu") tenha sido publicado em 1543, suas idéias já estavam formadas 1510. A história de Copérnico termina de forma trágica. Adoentado, entrega o manuscrito de sua grande obra a Rethicus, seu único discípulo. O jovem é incumbido de levar o manuscrito a Nuremberg. Dedido a problemas pessoais (alguns historiadores afirmam que Rethicus era homossexual e teve que fugir às pressas), a obra acaba nas mãos de Andreas Osiander, um teólogo luterano contra as idéias de Copérnico. Osiander adiciona ao livro um prefácio no qual afirma que as idéias ali encontradas são mera ficção, apenas um modelo matemático, útil para calcular a posição dos planetas, embora não correspondesse à realidade. O detalhe perverso é que Osiander assina o prefácio em nome de Copérnico, como se o próprio astrônomo considerasse o cosmo heliocêntrico uma abstração. Quase um século se passou para a hipótese ser considerada com seriedade.
Curiosidade: Muito antes de Copérnico, outros pensadores já haviam proposto modelos heliocêntricos do cosmo. Os primeiros registros constam de manuscritos religiosos da antiga Índia, no século VII a.C. Mas foi Ariabata, astrônomo e matemático hindu que viveu entre os anos 476 e 550 d.C, quem apresentou o modelo mais elaborado: além de propor que a Terra girava em torno do Sol, disse ainda que a Terra girava em torno do próprio eixo e que a luz da Lua era, na verdade, a luz do Sol refletida.
Johanner Kepler foi o primeiro a desmascarar abertamente a trapaça literária de Osiander. Sabia que o astrônomo polonês jamais teria escrito aquilo. Afinal, Copérnico havia dedicado seu livro ao papa Paulo III, enfatizando sua opinião de que a bíblia não deveria ser usada para descrever fenômenos celestes. Em 1593, teve aulas com o professor de astronomia Michael Maestlin, um copernicano às escondidas que ensinava a alguns alunos as idéias heliocêntricas do mestre polonês, enquanto publicamente passava por aristotélico. Kepler foi profundamente influenciado pelas idéias copernicianas de seu mestre.  Para ele o Sol, e apenas ele, poderia ser o centro do cosmo por motivos essencialmente religiosos. Do Sol vem a luz que ilumina o cosmo, que dissipa as trevas da noite; do Sol vem o calor que torna a vida possível. Kepler propõe uma analogia entre a Santíssima Trindade e o cosmo: o pai é o Sol, no centro; o filho, a esfera das estrelas fixas, nos confins do universo; e o espírito santo é a luz, a energia que flui do pai ao filho. Em 1596 com 25 anos, publicou seu primeiro livro O mistério cosmográfico, onde defende que o Sol não só era o centro do cosmo como também causava o movimento dos planetas à sua volta. Kepler propôs uma interação entre o Sol e os planetas, uma espécie de ressonância entre suas “almas”. No livro Kepler vai além. Não se contentando em investigar a causa dos movimento planetários, propõe também uma explicação para a distância entre cada uma dele e o Sol. Vê-se no título do livro, uma preocupação com a “cosmografia”, uma preocupação com o arranjo espacial do universo. Influenciado pelos pitagóricos, ele acreditava que a geometria, e só ela, era capaz de explicar o arranjo do cosmos. Deus era a inteligência suprema, e a geometria, a língua a língua com que Ele se comunicava com a mente humana. Portanto cabia aos homens desvendar os mistérios da natureza usando a geometria.  A ciência para Kepler, era um veículo de idolatria. Para explicar as distâncias, usou os cinco sólidos platônicos, as cinco figuras mais regulares da geometria tridimensional, e criou um arranjo em que cada planeta girava em uma esfera.
Kepler veio de uma família humilde e profundamente problemática. A mãe, acusada de bruxaria, quase acabou seus dias queimada na fogueira. O pai, um mercenário de reputação duvidosa acabou abandonando a família após anos de abusos. Na vida adulta as coisas não melhoraram. No início do século XVII, e Europa estava dividida pelas disputas religiosas  entre católicos e protestantes. Kepler foi vítima desses conflitos: era um luterano que servia as cortes católicas, vivia sob constante perseguição. Kepler que na época trabalhava em Graz, na Austrália, foi exilado pelos líderes católicos, que decretaram a conversão ou expulsão de todos os líderes da cidade. Sem ter para onde ir, em 1600 foi convidado ao castelo do nobre dinamarquês Tycho Brahe (o maior astrônomo da época, matemático imperial da corte de Rodolfo II), nos arredores de Praga.
Tycho era o oposto de Kepler, cresceu como um príncipe e viveu como tal. Contrariou a família, recusando-se a seguir a carreira diplomática, encantado desde cedo com a astronomia. Com muito dinheiro e muita paixão, construiu os maiores e maios precisos instrumentos astronômicos que o mundo jamais vira, sextantes e quadrantes, pesando toneladas. Logo obteve resultados que lhe conquistaram fama por toda a Europa. Em 1572, mostrou que uma “nova estrela”, que surgiu na constelação de Cassiopéia e brilhou nos céus durante meses, estava bem mais longe que a Lua. Em 1577, seguiu o movimento de um cometa concluindo que se encontrava muito distante. O rei da Dinamarca ficou tão impressionado com as descobertas de Tycho que lhe deu uma ilha inteira para transformá-la num observatório astronômico. A personalidade tirânica de Tycho, porém, causou-lhe problemas. Cristiano IV, o sucessor do reino da Dinamarca, cortou-lhe o salário e tirou-lhe os direitos sobre a ilha. Tycho viu-se forçado a procurar outro patrono. Foi então que se uniu a Rodolfo II em Praga. Em 1600, mudou-se para o Castelo de Benatky onde Kepler foi ao seu encontro.
A relação entre Kepler e Tycho não poderia ter sido mais tempestuosa. Kepler precisava dos dados de Tycho, estava convencido de que com eles, demonstraria de uma vez por todas que seu arranjo cósmico estava correto. Tycho por sua vez contava com o talento matemático de Kepler para comprovar seu modelo cósmico. Por motivos religiosos, Tycho não gostava da idéia de ter o Sol como centro. Conservador na leitura da Bíblia, não encontrou menção que a Terra se movia. Propôs um modelo segundo o qual a Terra permaneceria no centro, o Sol girava à sua volta, e todos os planetas giravam em torno do Sol.
Kepler não escondeu suas intenções e seu entusiasmo pelas idéias de Copérnico, e Tycho furioso , recusou-se a fornecer-lhe dados, resultado de décadas de estudo. Como concessão, cedeu-lhe apenas observações relativas ao planeta Marte. Depois de nove anos Kepler publicou um livro sobre sua órbita criando uma nova astronomia. No livro Astronomia nova Kepler chega a duas conclusões revolucionárias: primeiro que as órbitas planetárias não eram círculos, mas elipses (o círculo deixava de ser a figura geométrica mais importante da astronomia); em segundo lugar demonstrou que sua conjectura sobre a interação entre o Sol e os planetas estava correta. Em vez de “alma”, sugeriu que forças magnéticas causavam as órbitas planetárias. Influenciado pelas idéias do inglês William Gilbert, que havia demonstrado que a Terra era um gigantesco imã. Kepler abriu as portas para um novo cosmo, onde os movimentos celestes obedecem a leis matemáticas precisas e nada ocorre sem uma causa física.
Curiosidade: No dia 17 de outubro de 1604, Kepler observou que uma estrela  extremamente brilhante havia aparecido na constelação de Ofiúco, na Via Láctea. Kepler descreveu a observação em detalhes na obra De Stella Nova in Pede Serpentarii. Ele não sabia, mas era uma supernova, explosão resultante do colapso de uma estrela maciça. Mais tarde, em sua homenagem, a estrela recebeu o nome de “supernova de Kepler”. Essa foi a última explosão de supernova observada até hoje na Via Láctea.

GALILEU GALILEI (1564-1642):
            Ao mesmo tempo em que era criada uma nova astronomia na Europa Central, na Itália, outro revolucionário contestava o saber aristotélico, proclamando que não só no céu, mas também na Terra, uma nova física era necessária. Na mesma época em que Kepler fugia de perseguições religiosas de uma cidade a outra, a Igreja Católica enfrentava agressivamente o desafio crescente dos protestantes com a Contra-Reforma, que visava fortalecer novamente as bases. A ordem dos Jesuítas foi criada em 1540, com o intuito de espalhar os ensinamentos da fé católica, mesmo que a custa de conversões forçadas de judeus, muçulmanos e das populações nativas das colônias. A Sagrada Inquisição zelava pelos interesses da Igreja. Exceções eram inaceitáveis: aqueles que se opunham à Igreja sofriam conseqüências terríveis. Em 1600, o monge beneditino e filósofo Giordano Bruno foi queimado em praça pública no coração de Roma. Seu crime foi ter propagado os ensinamentos de Copérnico, proclamando não só que o Sol ser o centro do cosmo, como também que existiam infinitos outros sóis e planetas espalhados pelo espaço. Bruno recusou-se a abjurar suas idéias e pagou com a vida.
Os experimentos do jovem de vinte poucos anos, Galileu Galilei,  na década de 80 do século XVI realizados na Itália, ajudaram a fundar a física moderna. Ele deixou cair objetos de diferentes pesos de uma torre alta e descobriu que todos chegavam no solo ao mesmo tempo contrariando cientistas aristotélicos. Descobriu ainda que a velocidade de um objeto em queda dobrava a cada 9,8m que caia - número constante mais tarde conhecido como aceleração pela gravidade. 
O famoso conflito com a Igreja Católica se demonstrou fundamental para sua filosofia; é dele a argumentação pioneira de que o homem pode ter expectativas de compreensão do funcionamento do universo e que pode atingi-la através da observação do mundo real.
Galileu foi o grande pioneiro do que chamamos de “método científico”: hipóteses e teorias sobre fenômenos naturais tem que ser comprovadas através de experimentos ou, quando isso é impossível – como, por exemplo, da astronomia ou da paleontologia -, através de observações e materiais analisados cuidadosamente.
Acreditou na teoria de Copérnico (de que os planetas giram em torno do Sol) desde o começo, mas foi apenas quando encontrou a evidência necessária à sustentação da hipótese que ele passou a defendê-la publicamente. A teoria Aristotélico-Ptolomaica foi destruída em 1609, no ano em que Galileu começou a observar o céu à noite, através de um telescópio que acabara de ser inventado. Galileu recebeu um telescópio de presente de um diplomata recém-chegado da Holanda, inventado um ano antes por um especialista em ótica e lentes. Galileu construiu um telescópio mais potente, usando lentes de qualidade superior que ele mesmo fez. Em Veneza, mostrou-o para o Senado, tentando vendê-lo como instrumento militar. A invenção rendeu-lhe uma cátedra permanente na Universidade de Pádua e salário dobrado. O telescópio revelou-lhe coisas que nenhum homem jamais havia visto. Ao focalizar o planeta Júpiter, Galileu descobriu que ele era acompanhado de vários pequenos satélites, ou luas que giravam à sua volta. Isto implicava que nada precisava necessariamente girar em torno da Terra. Observou que a superfície da Lua era marcada por crateras e montanhas, vislumbrou os anéis de Saturno, embora não tenha reconhecido o que era.
            Em 1610, Galileu reuniu suas observações num livro, cujo título pode ser traduzido do latim tanto como Mensagem das estrelas quanto como Mensageiro das estrelas. Religioso, queria também reeducar a Igreja, ajudá-la a reavaliar sua concepção do universo ainda aristotélica e geocêntrica. Em 1613, publicou um livro sobre outra descoberta que abalava a concepção aristotélica: as manchas solares. O Sol é ocasionalmente coberto por algumas manchas negras, que se movem sobre sua superfície e desaparecem após algum tempo.
Escreveu os dois livros em italiano (não o Latim acadêmico costumeiro), e em pouco tempo suas opiniões se tornaram amplamente difundidas além das universidades. O fato contrariou os professores aristotélicos, que se uniram contra ele, tentando persuadir a Igreja Católica a banir o copernicismo. Preocupado com isto, viajou para Roma em dezembro de 1615, tentar convencer as autoridades eclesiásticas de suas idéias. Argumentava que a Bíblia não pretendia se manifestar quanto a teorias científicas. Mas a igreja, temendo um escândalo que pudesse minar sua luta contra o protestantismo, tomou medidas repressoras. Em 1616 o cardeal Bellarmino, mestre de questões controversas do Vaticano e o teólogo mais influente da época, declarou "falsa e errônea" a doutrina de Copérnico, proibindo Galileu de "defendê-la ou sustentá-la". Galileu se sujeitou à decisão. Ironicamente foi a insistência de Galileu que forçou a Igreja a adotar uma posição oficial contra Copérnico: seus livros foram censurados pela inquisição. A partir de então, qualquer menção ao Sol como centro do cosmo era vista como heregia.
Em 1623 um velho amigo, o cardeal Mafeo Barberini, tornara-se papa Urbano VIII. Imediatamente Galileu tenta revogar o decreto de 1616. Após uma série de audiências, falha, mas consegue autorização para escrever um livro discutindo tanto a teoria de Aristóteles quanto a de Copérnico, embora com duas condições: não tomar partido e chegar a conclusão de que o homem não pode, em caso algum determinar como funciona o mundo, porque Deus poderia ter realizado os mesmo efeitos de maneiras inimagináveis pelos homens, que não podem fazer restrições à onipotência divina.  O livro Diálogo sobre os dois sistemas principais do universo foi concluído e publicado em 1632, e imediatamente acolhido em toda a Europa como uma obra-prima de literatura e filosofia. A palavra “diálogo” no título reflete a estrutura do livro. Escrito como uma discussão filosófica entre três pessoas cada uma com um papel específico. O primeiro Salviati, defende as idéias de Galilei. O segundo, Sagredo é um interlocutor inteligente e leigo (ou seja, o público), que em gera concorda com Salviati. O terceiro Simplício, representa os aristotélicos e é constantemente humilhado pelos argumentos de Salviati. O Dialogo é mais uma obra de popularização do que um tratado científico. Galileu não oferece nele nenhuma prova conclusiva a favor de Copérnico. E, para atingir o público leigo, apresenta uma versão extremamente simplificada da teoria copernicana, desconsiderando a reforma do sistema heliocêntrico realizada por Kepler. Ao final do debate, Galileu introduziu, numa fala de Simplício, uma frase do próprio Urbano VIII. Quando encorajou o cientista a apresentar o sistema copernicano, o papa afirmou que o fato de uma hipótese explicar bem certos fenômenos não significava que ela fosse necessariamente verdadeira, porque Deus podia muito bem ter produzido os mesmos fenômenos por meios totalmente diferentes e incompreensíveis para a mente humana. Sem citar nominalmente o papa, Simplício afirma que esse argumento provinha "da mais eminente e douta pessoa, diante da qual era preciso cair em silêncio".
            A ironia passou despercebida pelos olhos do censor eclesiástico. Mas Urbano VIII ficou uma fera ao tomar nas mãos o livro impresso e reconhecer suas palavras na boca do tolo Simplício. Em breve o papa, , arrependeu-se de ter permitido a publicação. Argumentava ele, que embora do livro tivesse as bençãos oficiais dos censores, o autor desacatara, ainda assim, o decreto de 1616. O livro foi proibido alguns meses após ter sido impresso, e as cópias já vendidas foram confiscadas pela Inquisição. Felizmente algumas já haviam escapado da Itália. Em 1633, Galileu com 69 anos foi condenado pelo Sagrado Tribunal da Inquisição e forçado a renunciar publicamente, sob pena de tortura, ao copernicismo. Sua pena incluía prisão domiciliar perpétua e ler salmos diariamente durante três anos. Como a visão enfraquecida não lhe permitia a leitura sua filha freira foi incumbida de ler os salmos em sua presença. Numa insuportável manifestação de arrogância, a Igreja humilhava o homem e se atribuía o direito de decidir o que a ciência podia ou não dizer.
Durante os nove anos seguintes, Galileu permaneceu ativo, pesquisando e realizando experimentos. Galileu permaneceu um piedoso católico, mas sua crença na independência do saber criativo não foi abalada.  Quatro anos antes de sua morte, ainda detido em sua casa, o manuscrito de seu segundo livro de fôlego foi mandado clandestinamente a um editor na Holanda. Este trabalho, intitulado Duas novas ciências, mais do que seu apoio às teorias de Copérnico, foi a gênese da física moderna. Nele descreve o resultado de suas várias pesquisas sobre o movimento dos corpos e sobre as propriedades mecânicas dos corpos sólidos, enfatizando a importância da matemática e da experimentação nas ciências naturais.
Quando Galileu morreu, em 1642, sua obra estava sendo lida avidamente em toda a Europa, fomentando a grande revolução científica que ocorreria no final do século XVII. Dentre os leitores, encontrava-se o inglês Isaac Newton.

Roma, 22 de junho de 1633:
"Eu, Galileu, filho do falecido Vincenzo Galilei, florentino, de setenta anos de idade, intimado pessoalmente à presença deste tribunal e ajoelhado diante de vós, Eminentíssimos e Reverendíssimos Senhores Cardeais Inquisidores -Gerais contra a gravidade herética em toda a comunidade cristã, tendo diante dos olhos e tocando com as mãos os Santos Evangelhos, juro que sempre acreditei, que acredito, e, mercê de Deus, acreditarei no futuro, em tudo quanto é defendido, pregado e ensinado pela Santa Igreja Católica e Apostólica. Mas, considerando que (...) escrevi e imprimi um livro no qual discuto a nova doutrina (o heliocentrismo) já condenada e aduzo argumentos de grande força em seu favor, sem apresentar nenhuma solução para eles, fui, pelo Santo Ofício, acusado veementemente de suspeito de heresia, isto é, de haver sustentado e acreditado que o Sol está no centro do mundo e imóvel, e que a Terra não está no centro, mas se move; desejando eliminar do espírito de Vossas Eminências e de todos os cristãos fiéis essa veemente suspeita concebida mui justamente contra mim, com sinceridade e fé verdadeira, abjuro, amaldiçôo e detesto os citados erros e heresias, e em geral qualquer outro erro, heresia e seita contrários à Santa Igreja, e juro que no futuro nunca mais direi nem afirmarei, verbalmente nem por escrito, nada que proporcione motivo para tal suspeita a meu respeito".

Em 1638 a cegueira total atingiu Galileu. Escreve em carta para um amigo:

" Ai de mim! O vosso amigo e servo Galileu tem estado no último mês desesperadamente cego, de modo que este céu, por maravilhosos descobrimentos e claras demonstrações, alarguei cem mil vezes além da crença dos sábios da antiguidade, se reduzem, daqui por diante, para mim, a um diminuto espaço preenchido pelas minhas próprias sensações corpóreas"

quarta-feira, 28 de maio de 2014

A Vida de Galileu

Personagens:
Galileu Galilei
Andrea
D.Sarti 
Ludovico Marsili
Procurador

1. Galileu Galileu, professor de matemática em Pádua, quer demonstrar o novo sistema Coppernicano do Universo.

O fogo no rabo da idéia pegou
No ano de mil seiscentos e nove,
O cientista Galileu por a+b calculou
Que o sol não se mexe. Que a terra se move. 

(Quarto de estudo de Galileu, em Pádua; o aspecto é pobre. É de manhã, o menino Andrea, filho da governanta, traz um copo de leite e um pão)

Galileu – (Lavando o tórax, fungando e alegre) Põe o leite na mesa, mas não fecha os livros.
Andrea - Seu Galileu, minha mãe disse que, se nós não pagarmos o leiteiro, ele vai dar um círculo em volta de nossa casa e não vai mais deixar o leite.
Galileu - Está errado, Andrea; ele "descreve um círculo".
Andrea -Como o senhor quiser, seu Galileu. Se nós não pagarmos, ele descreve um círculo.
Galileu - Já o oficial de justiça, o seu Cambione, vem reto para cima de nós, escolhendo qual percurso entre dois pontos?
Andrea (rindo) - O mais curto.
Galileu - Bom. Eu tenho uma coisa para você. Veja atrás dos mapas astronômicos.
(Andrea pesca atrás dos mapas, de onde tira um grande modelo do sistema ptolomaico, feito de madeira)
Andrea -O que é isso?
Galileu - É um astrolábio; é feito para mostrar como as estrelas se movem à volta da Terra, segundo a opinião dos antigos.
Andrea -Como?
Galileu - Vamos investigar, e começar pelo começo: a descrição.
Andrea - No meio tem uma pedra pequena.
Galileu - É a Terra.
Andrea - Por fora tem cascas, uma por cima da outra.
Galileu - Quantas?
Andrea - Oito.
Galileu - São as esfera de cristal.
Andrea - Tem bolinhas , pregadas nas cascas.
Galileu - As estrelas.
Andrea - Tem bandeirinhas, com palavras pintadas.
Galileu - Que palavras?
Andrea - Nomes de estrelas.
Galileu - Quais?
Andrea - A bola embaixo é a Lua, é o que está escrito. Mais em cima é o Sol.
Galileu - E agora faça mover o Sol.
Andrea (Move as esferas) - É bonito. Mas nós estamos fechados lá no meio.
Galileu - É, foi o que eu também senti, quando vi esta coisa pela primeira vez. Há mais gente que sentem assim também. (Joga a toalha Andrea para que ele lhe esfregue as costas) Muros e cascas, tudo parado! Durante dois mil anos a humanidade acreditou que o Sol e as estrelas do céu giram em torno dela. O papa, os cardeais, os príncipes, os sábios, capitães, comerciantes, peixeiras e crianças da escola, todos achando que estão imóveis nessa bola de cristal. Mas agora nós vamos sair para fora dela, Andrea, para uma grande viagem. Porque o tempo antigo acabou, e agora é um tempo novo. Já faz cem anos que a humanidade está esperando alguma coisa.
As cidades são estreitas, e as cabeças também. Superstição e peste. Mas agora, veja o que se diz: se as coisas são assim, assim não vão ficar. Tudo se move, meu amigo.
Gosto de pensar que tudo tenha começado com os navios. Desde que há memória, eles vinham se arrastando ao longo da costa, mas de repente, deixaram a costa e exploraram os mares todos.
Em nosso velho continente nascia um boato: existem continentes novos. E agora que os nossos barcos navegam até lá, a risada é geral nos continentes. O que se diz é que o grande mar temido é uma lagoa pequena. E surgiu um grande gosto pela pesquisa da causa de todas as coisas: saber por que cai a pedra se a soltamos, e como sobe a pedra que arremessamos. Não há dias em que não se descubra alguma coisa. Até os velhos e os surdos puxam conversa para saber as últimas novidades.
Já se descobriu muita coisa, mas há mais coisas ainda que poderão ser descobertas. De modo que as novas gerações têm o que fazer.
Em Siena, quando moço, vi uma discussão de cinco minutos sobre a melhor maneira de mover blocos de granito; em seguida, os pedreiros abandonaram uma técnica milenar e adotaram uma disposição nova e mais inteligente das cordas. Naquele lugar e naquele minuto fiquei sabendo: o tempo antigo passou, e agora é um tempo novo. Logo a humanidade terá uma idéia clara de sua casa, do corpo celeste que ela habita. O que está nos livros antigos não lhe basta mais.
Pois onde a fé teve mil anos de assento, sentou-se agora a dúvida. Todo mundo diz: é, está nos livros -, mas agora nós queremos ver com nossos olhos.
As verdades mais consagradas são tratadas sem cerimônia; o que era indubitável, agora é posto em dúvida. Em conseqüência, formou-se um vento que levanta as batinas brocadas dos príncipes e prelados, e põe a mostra pernas gordas e pernas de palito, pernas como as nossas pernas. Mostrou-se que os céus estavam vazios, o que causou uma alegre gargalhada.
Mas as águas da terra fazem girar as novas rocas, e nos estaleiros, nas casas de cordame e de velame, quinhentas mãos se movem em conjunto, organizadas de maneira nova.
Predigo que a astronomia será comentada nos mercados, ainda em tempos de nossa vida. Mesmo os filhos das peixeiras quererão ir às escolas. Pois os habitantes de nossas cidades, sequiosos de tudo o que é novo, gostarão de uma astronomia nova, em que também a Terra se mova. O que contava é que as estrelas estão presas a uma esfera de cristal para que não caiam.
Agora juntamos coragem, e deixamos que flutuem livremente, desancoradas e elas estão em grande viagem, como as nossas caravelas, desancoradas e em grande viagem.
E a Terra rola alegremente e volta do Sol, e as mercadoras de peixe, os comerciantes, os príncipes e os cardeais, e mesmo o papa, rolam com ela. Uma noite bastou para que o universo perdesse seu ponto central; na manhã seguinte, tinha uma infinidade deles. De modo que agora qualquer um pode ser visto como centro, ou nenhum. Subitamente há muito lugar. Nossos navios viajam longe. As nossas estrelas giram no espaço longínquo, e mesmo no jogo de xadrez, agora a torre atravessa o tabuleiro de lado a lado. Como diz o poeta: "Ó manha dos princípios!..."
Andrea - "Ó manhã dos inícios!...
Ó sopro do vento
Que vem de terras novas!"
O senhor devia beber o seu leite, porque daqui a pouco chega gente.
Galileu - Você acabou entendendo o que eu te expliquei ontem?
Andrea - O quê? Aquela história de Quipérnico e da rotação?
Galileu - É.
Andrea - Não. Porque o senhor quer que eu entenda? É muito difícil, e eu ainda não fiz onze anos, vou fazer em outubro.
Galileu - Mas eu quero que também você entenda. É para que se entendam essas coisas que eu trabalho e compro livros caros, em lugar de pagar o leiteiro.
Andrea - Mas eu vejo que o Sol de noite não está onde estava de manhã. Quer dizer que ele não pode estar parado! Nunca e jamais.
Galileu - Você vê! O que é que você vê? Você não vê nada! Você arregala o olho, e arregalar o olho não é ver. (Galileu põe a bacia de ferro no centro do quarto) Bom, isto é o Sol. Sente-se aí. (Andrea se senta na única cadeira; Galileu está de pé, atrás dele) Onde está o Sol, à direita ou à esquerda?
Andrea - À esquerda.
Galileu - Como fazer para ele passar para a direita?
Andrea - O senhor carrega a bacia para a direita, claro.
Galileu - E não tem outro jeito? (Levanta Andrea e a cadeira do chão. Faz meia-volta com ele) Agora, onde é que o Sol está?
Andrea - À direita.
Galileu - E ele se moveu?
Andrea - Ele, não.
Galileu - O que é que se moveu?
Andrea - Eu.
Galileu (berrando) - Errado! Seu burro! A cadeira!
Andrea - Mas eu com ela!
Galileu - Claro. A cadeira é a Terra. Você está em cima dela.
D.Sarti (que entrou para fazer a cama e assistiu a cena) - Seu Galileu, o que o senhor está fazendo com o meu menino?
Galileu - Eu o estou ensinando a ver.
D.Sarti - Arrastando o menino pelo quarto?
Andrea - Deixa, mamãe. Você não entende disso.
D. Sarti - Ah, é? Mas você entende, é isso? Está um moço aí fora, ele quer aulas particulares. Muito bem vestido, e trouxe uma carta de recomendação. (entrega a carta) Com você o meu Andrea ainda acaba dizendo que dois mais dois são cinco. Ele confunde tudo o que o senhor diz. Ontem à noite ele me provou que a Terra dá volta no Sol. Está convencido de que isso foi calculado por um tal Quipérnico.
Andrea - Senhor Galileu, o Quipérnico não calculou? Diga a ela o senhor mesmo!
D. Sarti - Mas é verdade mesmo que o senhor ensina essas bobagens? Depois ele vai e fala essas coisas na escola, e os padres vêm me procurar, porque ele fica dizendo coisas que são contra a religião. O senhor devia ter vergonha, Senhor Galileu!
Galileu (tomando café) - Dona Sarti, com base em nossas pesquisas e depois de violenta disputa, Andrea e eu fizemos descobertas que não podemos mais ocultar do mundo. Começou um tempo novo, uma grande era, em que viver será um prazer.
D. Sarti - Sei. Eu espero que nesse tempo novo, Senhor Galileu, a gente possa pagar o leiteiro. (Apontando a carta de recomendação) O senhor me faça um favor, e não mande embora esse também. Eu estou pensando na conta do leiteiro. (sai)
Galileu (rindo) - Vai, vai, me deixe ao menos acabar o meu leite! (voltando-se para Andrea) Alguma coisa ontem nós sempre compreendemos, hein?
Andrea - Eu só falei para ela se espantar. Mas não está certo. A cadeira onde eu estava, o senhor a virou só de lado, e não assim (faz um movimento com o braço de cima para baixo)Senão eu tinha caído, e isso é um fato. Por que o senhor não virou a cadeira para frente? Porque daí ficava provado que eu cairia da Terra, se ela virasse assim. Isso é que é.
Galileu - Mas se eu lhe demonstrei...
Andrea - Mas essa noite eu descobri que toda noite eu ficaria pendurado de cabeça para baixo, se a Terra virasse como o senhor diz. E isso é um fato.
Galileu (pegando uma maça na mesa) - Bom. Isto é a Terra.
Andrea - Ah, não, seu Galileu, não pegue esses exemplos. Assim o senhor sempre se sai bem.
Galileu (pondo a maça no lugar outra vez) - Você é quem sabe.
Andrea - Com exemplos a gente sempre se sai bem, sendo esperto. Mas eu não posso carregar a minha mãe na cadeira como o senhor me carrega. O senhor está vendo que o exemplo é ruim. E se a maça for a Terra, o que acontece?
Galileu (ri) - Você não quer saber.
Andrea - Pegue a maça de novo. Como é que à noite eu não fico pendurado de cabeça para baixo?
Galileu - Bom, isso é a Terra, e você está aqui. (tira uma lasca de um toro de lenha e finca na maça) E agora a Terra gira. 
Andrea - E agora eu estou de cabeça para baixo.
Galileu - Porquê? Olhe com atenção. A cabeça, onde está?
Andrea (mostrando) - Aqui, embaixo.
Galileu - O quê? (gira em sentido contrário, até a primeira posição) A cabeça não está no mesmo lugar? Os pés não estão mais embaixo? Quando eu viro, você acaso fica assim?(tira e vira a lasca)
Andrea - Não. E porque é que eu não percebo que virou?
Galileu - Porque você vai junto. Você e o ar que está em cima de você e tudo o que está sobre a esfera.
Andrea - E porque parece que é o Sol que sai do lugar? 
Galileu (gira novamente a maça com o graveto) - Debaixo de você, você vê a Terra, sempre igual, que fica embaixo e para você não se move. Mas agora, olhe para cima. Agora é a lâmpada que está em cima da sua cabeça. Mas agora, se eu giro, agora o que é que está sobre a sua cabeça e portanto no alto? 
Andrea (acompanhando o giro) - A lareira.
Galileu - E a lâmpada onde está?
Andrea - Embaixo.
Galileu - Taí.
Andrea - Essa é boa. Ela vai ficar de boca aberta. 
(Entra Ludovico Marsili, moço rico)
Galileu – Isto aqui parece a casa da sogra
Ludovico – Bom dia, meu senhor. O meu nome é Ludovico Marsili.
Galileu - (Examinando a sua carta de recomendação) O senhor esteve na Holanda?
Ludovico – Onde ouvi falar muito no senhor.
Galileu – A sua família tem propriedade na Campanha?
Ludovico – Minha mãe queria que eu me arejasse um pouco, visse o que se passa pelo mundo, etc.
Galileu – E na Holanda o senhor ouviu dizer que na Itália, por exemplo, me passo eu?
Ludovico – E como minha mãe deseja que eu me oriente um pouco nas ciências...
Galileu – Aulas particulares: dez escudos por mês.
Ludovico – Muito bem, senhor.
Galileu – Quais são seus interesses?
Ludovico – Cavalos.
Galileu – Hum...
Ludovico – Eu não tenho cabeça para as ciências, Senhor Galileu.
Galileu – Hum. Nesse caso, são quinze escudos por mês.
Ludovico – Muito bem, Senhor Galileu.
Galileu – As aulas serão de manhã cedo. Vai ser às suas custas, Andrea, não vai sobrar tempo. Você entende, você não paga.
Andrea – Já estou saindo. Posso levar a maça?
Galileu – Leve.
(Andrea sai)
Ludovico – O senhor vai precisar de paciência comigo. Principalmente porque nas ciências tudo é diferente no que manda o bom senso. O senhor veja, por exemplo, aquele tudo estranho que estão vendendo em Amsterdam. Eu examinei com cuidado. Um canudo de couro verde e duas lentes – uma assim (Representa uma lente côncava) e uma assim (Representa uma lente convexa). Ou vi dizer que uma aumenta e a outra diminui. Qualquer pessoa razoável pensaria que se compensam. Errado. O tubo aumenta as coisas cinco vezes. Isso é que é a ciência.
Galileu – O que é que o tubo aumenta cinco vezes?
Ludovico – Torres de igrejas, pombas; tudo o que está longe.
Galileu – O senhor mesmo viu essas coisas aumentadas?
Ludovico – Sim, senhor.
Galileu – E o tubo tinha duas lentes? (Galileu faz um esboço no papel) Era assim? (Ludovico faz um gesto que sim) De quando é essa invenção?
Ludovico – Quando viajei na Holanda acho que não tinha mais que uns dias ao menos de venda.
Galileu (Quase amável) – E por que é que precisa ser a física e não a criação de cavalos?
(Entra D.Sarti, sem que Galileu perceba)
Ludovico – Minha mãe acha que um pouco de ciência é necessário. Hoje todo mundo toma o seu vinho com ciência, o senhor sabe.
Galileu – O senhor podia escolher uma língua morta ou teologia. É mais fácil. (Vê D.Sarti) Bom, nos veremos terça-feira de manhã.
(Ludovico sai)
Galileu – Não precisa me olhar desse jeito. Eu vou dar aulas.
D. Sarti – Só porque você me viu a tempo. O procurador da universidade está aí fora.
Galileu – Faça-o entrar, que este é importante. Podem ser quinhentos escudos. Daí eu não preciso de alunos.
(D. Sarti faz entrar o procurador, Galileu aproveita para acabar de se vestir e rabiscar números num papel)
Galileu – Bom dia, me empreste meio escudo. (Entrega a D.Sarti a moeda que o procurador havia pescado em sua bolsa) Dona Sarti, mande Andrea ao oculista para comprar duas lentes; as medidas estão aqui.
(D. Sarti sai com o papel)
Procurador – Eu vim tratar do seu pedido de aumento; o senhor quer ganhar mil escudos. Infelizmente, o meu parecer não será favorável. O senhor sabe que os cursos de matemática não garantem freqüência à universidade. A matemática, por assim dizer, não é uma arte nutritiva. Não que a República não a tenha na mais alta conta. Embora ela não seja tão necessária como a filosofia, nem tão útil quanto a teologia, aos conhecedores ela proporciona infinito prazer!
Galileu(Mexendo em seus papeis) Meu caro amigo, com quinhentos escudos eu não vivo.
Procurador – Mas, Senhor Galileu, o senhor tem duas horas de aula, duas vezes por semana. O seu extraordinário prestígio lhe traz quantos alunos quiser, gente que pode pagar aulas particulares. O senhor não tem alunos particulares?
Galileu – Senhor eu tenho demais! Eu ensino e ensino, e quando é que eu estudo? Homem de Deus, eu não sei tudo, com os moradores da Faculdade de Filosofia. Eu sou estúpido. Eu não entendo nada de nada. De modo que eu sou forçado a preencher os buracos do meu saber. E quando é que eu tenho tempo? Quando é que eu faço pesquisa? Meu senhor, a minha ciência ainda tem fome de saber! Sobre os maiores problemas nós ainda não temos nada que seja mais do que hipótese. Mas nós exigimos provas. E como eu vou fazer progresso, se para sustentar a minha casa sou forçado a me dedicar a qualquer imbecil, desde que tenha dinheiro, enfiar na cabeça dele que as paralelas se encontram no infinito?
Procurador – Em todo caso, o senhor não esqueça que a República talvez não pague tanto enquanto certos príncipes, mas garante a liberdade de pesquisa. Nós em Pádua admitimos até mesmo alunos protestantes. E lhes damos o diploma de doutor. Quando provaram – provaram, Senhor Galileu – que Cremonini dizia coisas contra a religião, nós não só não o entregamos à Inquisição, como aumentamos o salário dele. Até na Holanda se sabe que Veneza é a República onde a Inquisição não manda. E isso tem um certo valor para o senhor, que é astrônomo, que trabalha numa disciplina em que há muito tempo a doutrina da Igreja não encontra mais o devido respeito!
Galileu – Mas Giordano Bruno os senhores entregaram a Roma. Porque defendia a doutrina de Copérnico.
Procurador – Não porque ele difundisse a doutrina do Senhor Copérnico, que aliás está errada, mas porque ele não era veneziano, nem tinha emprego aqui. De modo que o senhor deixe o queimado-vivo fora do jogo. E, entre parênteses, por maior que seja a liberdade, é prudente não falar tanto nem tão alto nesse nome, que é anátema oficial para a Igreja; nem mesmo aqui, sim, senhor, nem mesmo aqui.
Galileu – Essa vossa proteção à liberdade do pensamento não é mau negócio, hein? Vocês sugerem que noutra parte a Inquisição reina e queima, e vocês arranjam, assim, professores bons e mal pagos. A garantia contra a Inquisição, vocês se pagam dela, pagando os piores salários.
Procurador – É injusto! Injusto! De que lhe serve o tempo livre, o seu tempo de pesquisa, se um monte ignorante da Inquisição for livre também de proibir as suas idéias? Não há rosas sem espinhos, Senhor Galileu, não há príncipes sem monges!
Galileu – E de que serve a pesquisa livre sem o tempo para pesquisar? E com os resultados, o que acontece? Quem sabe um belo dia o senhor mostra aos cavalheiros do Conselho esta pesquisa sobre a lei da queda dos corpos (mostra um maço de papeis), e pergunta se isto não vale uns escudos a mais.
Procurador – Vale infinitamente mais, Senhor Galileu.
Galileu – Infinitamente não, senhor, quinhentos escudos.
Procurador – Vale escudos somente o que rende escudos. Se o senhor quer dinheiro, precisa produzir outras coisas. O senhor não pode cobrar mais pelo saber que vende, do que ele rendea que o cobra. Por exemplo, a filosofia que o Senhor Colombo vende em Florença rende pelo menos dez mil escudos anuais ao príncipe. A sua lei da queda dos corpos levantou poeira, é verdade. O senhor é aplaudido em Paris e em Praga. Mas as pessoas que o aplaudem não pagam o que o senhor custa à Universidade de Pádua. A sua desgraça, prezado Galileu, está na sua especialidade.
Galileu – Eu entendo: liberdade de comércio, liberdade de pesquisa. Liberdade de comerciar com a pesquisa, é isso?
Procurador – Mas, meu caro Galileu, que maneira de ver as coisas! O senhor me permita dizer que não entendo bem as suas ironias. Eu não vejo por que desprezar a prosperidade comercial da nossa República. E como procurador da universidade que sou, há muitos anos, não acompanho também essa maneira, digamos frívola, de falar da pesquisa (Galileu lança olhares nostálgicos à sua mesa de trabalho) O senhor considere a situação lá fora! Pense no chicote que escraviza a ciência em certas cidades! Nessas cidades, rasgaram o couro de velhos livros para isso, para fazer chicotes. Não querem saber como a pedra cai, mas o que Aristóteles escreveu a respeito. Os olhos a gente os têm só para ler. Para que estudar a queda dos corpos, se conta só o jeito de cair de joelhos? No outro prato da balança, o senhor ponha a alegria infinita com que a nossa República acolhe as suas idéias, por mais ousadas que sejam! Aqui o senhor pode pesquisar! O senhor pode trabalhar! Ninguém vigia os seus passos, ninguém o oprime! Os nossos comerciantes, que lutam contra a concorrência florentina, sabem quanto vale um pano de melhor qualidade, e, em conseqüência, ouvem-no com simpatia quando o senhor reclara “uma física melhor”. Aliás, a própria física deve muito ao clamor por um tear melhorado! Os nossos cidadãos mais eminentes têm interesse pelas suas pesquisas, vêm visitar o senhor, pedem que lhes demonstre as suas descobertas, gente cujo tempo é precioso. Meu caro Galileu, não despreze o comércio. Aqui não se admite interferência alguma em seu trabalho, nenhum incompetente lhe cria dificuldades. Admita, Galileu, que aqui o senhor pode trabalhar!
Galileu (desesperado) – Como não?
Procurador – E quanto às condições materiais : o senhor faça outra coisinha bonita, como aquele seu excelente compasso proporcional, que mesmo ao leigo em matemática permite (conta os dedos)tirar linhas, determinar o juro do juro de um capital, reproduzir em escala ampliada ou diminuída a planta de um imóvel, estabelecer o peso das balas de canhão.
Galileu – É uma besteira.
Procurador – O senhor chama de besteira uma coisa que encantou os cidadãos mais eminentes e rendeu dinheiro à vista. Eu ouvi dizer que o próprio marechal Stefano Gritti é capaz de tirar uma raiz quadrada com o seu instrumento!
Galileu – De fato, é milagroso! Em todo caso, o senhor me fez pensar. Talvez eu tenha alguma coisa do gênero que lhe interessa.
Procurador – É? Seria a solução. (Levanta-se) Galileu, nós sabemos que o senhor é um grande homem, grande, mas insatisfeito, se me permite dizer.
Galileu – Sou, sou insatisfeito, uma razão para vocês me pagarem mais, se fossem mais inteligentes! Pois eu estou insatisfeito comigo mesmo. Mas, em vez disso, vocês fazem tudo para que eu fique insatisfeito com vocês. É verdade, meus senhores de Veneza, que eu gosto de usar o meu engenho no vosso famoso arsenal,nos estaleiros e na fundição de canhões. O arsenal põe questões à minha ciência, que a levariam mais adiante, mas vocês não me dão tempo de especular. Vocês amarram a boca ao boi que está trabalhando. Eu tenho 46 anos e não fiz nada que me satisfizesse.
Procurador – Nesse caso, eu não vou incomodá-lo mais.
Galileu – Obrigado.
(O Procurador sai. Galileu fica sozinho por alguns instantes e começa a trabalhar. Andrea entra correndo)
 Galileu(Trabalhando) Por que você não comeu a maça?
Andrea – É pra ela ver que ela gira.
Galileu – Andrea, ouça aqui, não fale aos outros de nossas idéias.
Andrea – Por quê?
Galileu – Porque as autoridades proibiram.
Andrea – Mas é verdade.
Galileu – Mas proibiram. E nesse caso tem mais. Nós físicos ainda não conseguimos provar o que julgamos certo. Mesmo a doutrina do grande Copérnico ainda não está provada. Ela é apenas uma hipótese. Mas passe as lentes.
Andrea – O meio escudo não deu. Deixei o meu casaco de penhor.
(Pausa. Galileu arruma as lentes sobre a folha em que está o esboço.)
Andrea – O que é uma hipótese?
Galileu – É quando uma coisa nos parece provável, sem que tenhamos os fatos. Veja a Felicia, lá embaixo, na frente do cesteiro, com a criança no peito. É uma hipótese que ela dê leite à criança e que não seja o contrário; é uma hipótese enquanto eu não puder ir lá, ver de perto e demonstrar. Diante das estrelas, nós somos como vermes de olhos turvos, que vêem muito pouco. As velhas doutrinas, aceitas durante mil anos, estão condenadas; há mais madeira na escora do que no prédio enorme que ela sustenta. Muitas leis que explicam pouco, enquanto que a hipótese nova tem poucas leis que explicam muito.
Andrea – Mas o senhor provou tudo para mim.
Galileu – Não. Eu só mostrei que seria possível. Você compreende, a hipótese é muito bonita e não há nada que a desminta.
Andrea – Eu também quero ser físico, Senhor Galileu.
Galileu – Acredito, considerando a infinidade de questões que resta esclarecer em nosso campo. (Galileu foi até a janela, e olhou através das lentes. O seu interesse é moderado) Andrea, dê uma olhada.
Andrea – Virgem Maria, chegou tudo perto. O sino de campanário, pertinho. Dá pra ler até as letras de cobre: Gratia Dei.

Galileu – Isto vai nos render quinhentos escudos.
(Fragmento "A Vida de Galileu" - Bertold Brecht)